quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O PRIMEIRO LIVRO



Sempre gostei de ler. Na minha época, as crianças não eram estimuladas tão cedo.

 Entrei para a escola com sete anos. Não “pude fazer o jardim-da- infância” como era chamado no meu tempo, o que seria hoje a pré-escola.  Era muito tímida, medrosa e comportada.

Éramos muito pobres e se me matriculassem no “jardim-de-infância – que por sinal era o meu sonho naquela época - pois a professora  daquela série era um anjo,  o material seria caro para minha mãe pagar. Era outro Brasil...

Antes de entrar para a escola, eu já folheava avidamente os gibis dos meus tios e ficava desesperada para entender o que o Pato Donald ou o Mickey estavam dizendo.
 Agastava minha irmã que era dois anos mais velha do que eu e que já sabia ler.
Sentia-me cega e impotente por não entender o que estava escrito.

Assim, quando entrei no primeiro ano, o método no início dos anos 70 era a cartilha chamada por sinal "Caminho Suave” _ que de suave não tinha nada _ e depois se passava para o primeiro livro.

A nossa professora era iluminada e nos incentivava muito;  fazia-nos sonhar com o dia que pegássemos o primeiro livro nas mãos e pudéssemos lê-lo.

Muito bem, ela fantasiava e eu sonhava com este dia. Com  dificuldades minha mãe pagou o livro adiantado conforme exigia.

Eu estava em uma expectativa enorme, ainda mais que nossa professora decidiu fazer um bolo, sucos, uma verdadeira festa para entregar o primeiro livro aos alunos.
 Eu até sonhava com este momento especial.

Chegou o tão esperado dia. Houve bolos, “os ‘ki sucos”, bexiga e nada do livro.
Meu estômago até embrulhava de tanta expectativa.
Começou a entrega que foi só no final da festa. A professora ia chamando os nomes dos alunos os quais as mães já haviam pago e entregando o livro com um abraço, um parabéns, etc.

Chamavam todos, menos o meu nome. Eu ansiosa, já com vontade de chorar e gritar.

Nada.  No finalzinho da chamada, ela diz: “Rita”! , eu gelei. Pensei, e eu???  Para explicar, esta “Rita’” era a garota queridinha de todos os professores, pelos mesmos motivos que ainda acontecem nos dias de hoje. Nepotismo.

Quando “Rita” chegou para pegar o livro toda feliz, a força do meu olhar fez com que a professora olhasse para mim e percebesse toda a angustia e mesmo censura nos meus olhos.

Fez menção de entregar o livro para Rita, me olhou novamente, eu quase chorando, voltou, consultou a lista e disse: ‘’É minha querida Rita, o seu ainda não foi pago. (Era esta a sensibilidade dos anos 70...).
E dando uma olhada geral na classe: Quem falta ainda?
Como se eu ainda não faltasse!!- pensei.  Levantei o braço e disse: Eu, professora!! A minha mãe já pagou!"
 Até eu mesma me surpreendi com minha coragem. Ela anuiu e me entregou o objeto da minha cobiça.

Nunca fiquei tão feliz na minha vida. Guardo isto com um carinho especial! O livro e a justiça feita.

Já sofri muitas injustiças na vida, como todos neste mundo, mas esta talvez fosse a mais imperdoável, porque acalentei aquele dia do  primeiro livro, como um sonho desde os dias que vi as primeiras letras na minha vida.

Com o livro em mãos, corri para casa, sentei-me embaixo do abacateiro que tínhamos no quintal e li, li, li, até o cair da noite.  Nunca mais parei de ler desde aquele dia.


(FIM)  POR ANGELA GASPARETTO

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

QUERIDA SARA (25a. Carta)



Uma luz agora se abriu no jardim lá fora e ela representa bem como está o meu coração.
Abriu-se uma luz para nós todos aqui.

Se pudesse eu sairia a cantar e dançar feito a louca que fui na juventude (risos).
Sara, a alegria que sinto não cabe em meu coração.

Depois do buraco negro que estávamos todos metidos, foram tantas coisas boas acontecendo aqui, que definitivamente, Deus ouviu as minhas preces. O Pedro se saiu bem no transplante, está indo cada vez melhor e todos nós respiramos aliviados.

Sara, Sara, Sara! Como estou feliz!!! Acho que faltava você chegar com o seu perdão para que a barreira que segurava as minhas orações, pudessem ser ouvidas por Deus.

Desculpe, não estou colocando um fardo nas costas. Mas a minha tristeza pelo Pedro misturou com a dor do nosso atrito e eu rezava, rezava, mas sentia-me extremamente culpada.
Achava que Deus não iria ouvir as minhas preces.

Mas enfim, eu só posso te agradecer de joelhos pela amizade, pelo carinho, pela alma nobre que você tem e por tudo que passamos juntas e conseguimos sobreviver.

Sara, era esta a notícia que queria te dar. Fiquei muito feliz de tê-la aqui segurando as minhas mãos durante o procedimento do Pedro e depois ainda ficou mais alguns dias para dar esta força que só você poderia me dar. OBRIGADA! QUE DEUS TE ABENÇÕE SEMPRE.

O Pedro está cada vez mais forte e passa horas conversando comigo ou com a Lisa.

Ela veio segredar comigo que ele havia se declarado a ela. Bem, eu disse, “todos sabíamos Lisa, achávamos que você também”. Ela disse que suspeitava na adolescência, mas que depois enfim, a vida tomou outros rumos. Esta moçada... E olha que não estão tão novos assim.

Só que a Lisa estava começando a ficar agoniada porque agora que ele estava melhor, queria conversar com ele sobre este assunto e não havia jeito dele a deixar falar.

Aconteceu que ontem, segundo ela, eles conversaram e a Lisa disse que estava muito feliz com este amor, mas que atualmente ela tem uma pessoa. Lisa estava receosa da reação do Pedro. Segundo ela, ele recebeu bem a notícia e disse que para ela não se preocupar porque o que ele precisava era dizer a ela, apenas isto. Não poderia morrer sem dizer ou tentar. Mas que ela era livre para viver o que era dela e tomar qualquer decisão que achasse melhor.

Parece que Lisa ficou decepcionada com a reação do Pedro. Ela saiu do quarto pensativa e ficou muito tempo olhando para o jardim no hospital. Ficou meio perdida. 
Depois quando conversamos, ela disse que ficou contente com a atitude do Pedro, mas que achava que ele demonstraria alguma decepção ou insistiria.

Eu sorri intimamente Sara, porque depois dessa, acho que o meu neto tem chances. Vejo que ele está melhor, porque acredito que esta atitude dele é um blefe (risos).

Lisa anda pelos cantos agora, vem todos os dias ao hospital e amanhã quando o Pedro tiver alta, disse que virá acompanhá-lo. Fico muito feliz que ela esteja presente e quero ver agora qual serão os próximos passos, porque o Pedro voltando para casa e estando recuperado, não há mais motivos para ela ficar no Brasil. A não ser se for por amor! Que maravilha! Agora torço por isto e observo os dois discretamente.

Sara, esta será mais das inúmeras cartas que te escreverei, porque a alegria que estou não me cabe no meu coração como já disse e repito.


Um beijo de gratidão,
Clara.

(TODOS OS DIREITOS RESERVADOS)