Sempre gostei de ler. Na minha
época, as crianças não eram estimuladas tão cedo.
Entrei para a escola com sete anos. Não “pude
fazer o jardim-da- infância” como era chamado no meu tempo, o que seria hoje a
pré-escola. Era muito tímida, medrosa e
comportada.
Éramos muito pobres e se me
matriculassem no “jardim-de-infância – que por sinal era o meu sonho naquela
época - pois a professora daquela série
era um anjo, o material seria caro para
minha mãe pagar. Era outro Brasil...
Antes de entrar para a escola,
eu já folheava avidamente os gibis dos meus tios e ficava desesperada para
entender o que o Pato Donald ou o Mickey estavam dizendo.
Agastava minha irmã que era dois anos mais
velha do que eu e que já sabia ler.
Sentia-me cega e impotente por
não entender o que estava escrito.
Assim, quando entrei no
primeiro ano, o método no início dos anos 70 era a cartilha chamada por sinal
"Caminho Suave” _ que de suave não tinha nada _ e depois se passava para o
primeiro livro.
A nossa professora era
iluminada e nos incentivava muito;
fazia-nos sonhar com o dia que pegássemos o primeiro livro nas mãos e
pudéssemos lê-lo.
Muito bem, ela fantasiava e eu
sonhava com este dia. Com dificuldades
minha mãe pagou o livro adiantado conforme exigia.
Eu estava em uma expectativa
enorme, ainda mais que nossa professora decidiu fazer um bolo, sucos, uma
verdadeira festa para entregar o primeiro livro aos alunos.
Eu até sonhava com este momento especial.
Chegou o tão esperado dia.
Houve bolos, “os ‘ki sucos”, bexiga e nada do livro.
Meu estômago até embrulhava de
tanta expectativa.
Começou a entrega que foi só
no final da festa. A professora ia chamando os nomes dos alunos os quais as
mães já haviam pago e entregando o livro com um abraço, um parabéns, etc.
Chamavam todos, menos o meu
nome. Eu ansiosa, já com vontade de chorar e gritar.
Nada. No finalzinho da chamada, ela diz: “Rita”! ,
eu gelei. Pensei, e eu??? Para explicar,
esta “Rita’” era a garota queridinha de todos os professores, pelos mesmos
motivos que ainda acontecem nos dias de hoje. Nepotismo.
Quando “Rita” chegou para
pegar o livro toda feliz, a força do meu olhar fez com que a professora olhasse
para mim e percebesse toda a angustia e mesmo censura nos meus olhos.
Fez menção de entregar o livro
para Rita, me olhou novamente, eu quase chorando, voltou, consultou a lista e
disse: ‘’É minha querida Rita, o seu ainda não foi pago. (Era esta a
sensibilidade dos anos 70...).
E dando uma olhada geral na
classe: Quem falta ainda?
Como se eu ainda não
faltasse!!- pensei. Levantei o braço e
disse: Eu, professora!! A minha mãe já pagou!"
Até eu mesma me surpreendi com minha coragem.
Ela anuiu e me entregou o objeto da minha cobiça.
Nunca fiquei tão feliz na
minha vida. Guardo isto com um carinho especial! O livro e a justiça feita.
Já sofri muitas injustiças na
vida, como todos neste mundo, mas esta talvez fosse a mais imperdoável, porque
acalentei aquele dia do primeiro livro,
como um sonho desde os dias que vi as primeiras letras na minha vida.
Com o livro em mãos, corri
para casa, sentei-me embaixo do abacateiro que tínhamos no quintal e li, li,
li, até o cair da noite. Nunca mais
parei de ler desde aquele dia.
(FIM)
POR ANGELA GASPARETTO