Que bom que retornou minha carta e me contou o segredo. Então era
isto? Você tem visto o Olívio? E quando ele era jovem? Não se preocupe não
Sara! Lá do outro lado da vida, o Olívio está conectado contigo e por isto você
tem a impressão que o tem visto.
Eu também tenho. Muitas. Quando a velhice chega, só passado que nos consola. Triste de quem não tem boas lembranças... Elas são como filhos queridos. Diferente que não vão embora como os filhos. Elas permanecem.
São como tesouros, pérolas guardadas em uma caixa antiga. Há momentos em que as retiramos desta caixa e estendemos nas nossas vistas, como em uma cama lindamente coberta. Acariciamos estas lembranças, cheiramos, degustamos e as voltamos para a caixa. Algumas vezes com alegria, mas muitas vezes com tristezas. É normal. Faz parte, como dizem hoje em dia.
Pode continuar a contar estes segredos para mim. Não acho que esteja louca. Pena que não possa ver o meu querido Pedro como você tem visto o Olívio. Eu e Pedro vivemos uma época maravilhosa. Mas não fomos tão felizes como você e o Olívio. Então acho que o Pedro não aparece por aqui não, viu...
Sara, falando em Pedros. Tive uma conversa franca com o Pedro neto. Ele se sentou um dia sobre as escadas do fundo e ficou olhando o vazio durante muito tempo. Eu cheguei de mansinho, sentei ao lado dele e fiquei em silêncio. Eu comunhei com aquela quietude que ele estava.
Devagar, o Pedro foi virando a cabeça e seus olhos se encontraram com os meus. No fundo deles, eu vi lágrimas. Meu neto Pedro também tem segredos. Só que não quer partilhá-los comigo. Não o sei o por quê... Mas como disse, eu tive a conversa franca com ele.
Naquele momento que ele me olhou direto com os olhos cheios de
lágrimas, eu disse:
"Escuta Pedro, algo não vai bem contigo. Foi desde que voltou dos Estados Unidos. Não o vejo sorrir, só macambúzio pelos cantos e agora vejo lágrimas em seus olhos. Tem problema chorar não Pedro! Chorar é a dádiva que Deus nos deixou neste mundo cão. Mas eu sou sua avó. Eu o amo acima de qualquer coisa. Então Pedro, me conta. O que está acontecendo."
Olha Sara, ele não disse nada! Mas apertava minhas mãos e as lágrimas desciam. Você sabe que o Pedro já tem quase 40 anos. Para um homem chorar, mesmo com as modernidades de hoje, é difícil.
Deixei-o chorar e fiquei esperando com o coração pequeninho, feito
um passarinho. Chorei não, Sara. Segurei. Porque se vivi tantos anos nesta
vida, alguma coisa tenho que ter aprendido né?
Depois, ele pegou minha testa, me deu um beijo e disse: 'Vó, tá tudo certo. As coisas se arranjam. Me “dá só um tempo”. E saiu.
Depois destes dias, ele tem tentado aparentar mais confiança. Você
sabe, nesta casa ficamos somente eu e ele, porque as meninas se
"picaram", inclusive a mãe dele.
Sara o que posso te dizer? Eu rezo. Reza aí também. E para o Olívio. Um dia ele pára de te visitar.
Mande notícias e desculpe se estou meio amarga. Um beijo e um abraço de muitas horas,
Clara.
(TEXTO REGISTRADO PORTAL DE DIREITOS AUTORAIS)
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