quarta-feira, 24 de agosto de 2016

OLÁ KIKO, (16a. Carta)


Cara, que saudades dos nossos papos durante o tratamento. Você além de parça,  é agora meu irmão maior! E nem preciso agradecer pelo que fez por mim, porque não há agradecimento possível, nem nesta, nem noutra vida.

Agora que a Lisa chegou e tomou seu lugar aqui ao meu lado, estou muito feliz, mas também com vontade de bater  aqueles nossos altos papos sobre a vida e o futuro.

Cara, eu te falei que me declarei à Lisa por carta. Ela não me respondeu nada. Chegou faz três dias, feliz, sorridente, me abraçou como o velho amigo e...nada!

A única diferença que percebi, foram os olhos dela me vigiando enquanto eu fingia dormir durante a quimio.
Cara, ou eu estraguei tudo ou a Lisa não quer nada comigo!
Ela poderia me dizer qualquer coisa, mas não dizer nada, está me torturando!

Acho que vou tocar no assunto com ela hoje, cara! A presença dela aqui só mostrou o quanto eu a amo, o quanto não posso deixá-la partir. Não, não posso!

Sei que está ai, curtindo com a minha cara e me achando o maior palhaço do planeta e que só a doença para me fazer tão dramático como estou. Vá lá Kiko! Você sabe que a Lisa é especial, c ara. Sempre foi.

Mas durante todo o tempo, ela sempre tinha alguém, um cara, um amigo colorido, sempre uma pessoa a  tiracolo. E eu sempre fui amigo. E só.
Mas com o tempo, a faculdade, o mestrado, a viagem dela, a minha viagem, eu percebi que não tem mais ninguém no mundo além dela que eu goste de discutir o “ motivo das gaivotas fazerem tanto barulho...”, ou porque a maré sobe mais no litoral Sul do que no Norte...
Não posso perdê-la. Mas se tive a coragem de falar por carta, agora que estou careca, magro, quase um moribundo,  acho que Lisa só tem piedade de mim. Sinto-me péssimo.  Mas como estou no fundo do poço, além do fundo como dizem, não tenho nada a perder mesmo.
Estou aqui escrevendo e ouço os passos no corredor. É a Lisa! Eu conheço estes passos.

Eu conheço o perfume dela. Eu conheço tudo da Lisa. Tô escondendo a carta aqui, cara.
Amanhã eu complemento, porque senão sair vivo desta, não sairei também sem  demonstrar a ela,  o porquê de ainda estar vivo.


Pedro.
(TODOS OS DIREITOS RESERVADOS ) publicação seg.quarta/sábado

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