quinta-feira, 28 de julho de 2016

QUERIDA SARA, (12a. Carta)


Depois que te enviei aquela carta, passou alguns dias, o Kiko atendeu ao meu chamado para o exame de compatibilidade da medula e chegou aqui. Nem sei como agradecer.

 Neste dia a Maria Cecília já estava aqui e todas as meninas com os outros meus netos e todos fomos fazer o tal exame.

Do lado de fora da sala no laboratório, fiquei muito tempo pensando nas voltas que o mundo dá e de como por mais que a gente corra das situações, ela vai fazendo um círculo e voltamos no mesmo ponto.  No ponto quer prometemos a nos mesmos nunca mais voltar.

Sara, tenho duas notícias. Um boa, maravilhosa e outra devastadora para nós; esta eu nunca quis dividir contigo, mas agora, estou velha demais, amarga demais e quase todos se vão na minha família, sobrou-me apenas o Pedro e ele agora com este problema, eu não posso mais adiar.

Bom, a notícia boa é que o Kiko é compatível! De todos nós, do banco de medula e inclusive de todas as outras primas do Pedro, o Kiko foi o que deu certo. Eu intuí bem. Quando saiu o resultado, tranquei-me no quarto e pus-me a chorar desesperadamente.

Choro porque Deus está apontando o seu dedo para mim e dizendo que das voltas da vida, está mostrando o caminho para eu contar a você o que aconteceu no passado.

Sara, qualquer pessoa vai me afirmar que o fato do Kiko ser compatível, não quer dizer nada. Outra pessoa na Austrália poderia ser. Mas foi ele, o Kiko, seu neto.  E para mim já basta. Já guardei isto comigo há anos demais.
Se depois deste segredo, suas cartas se calarem para mim Sara, eu vou entender e me recolher à minha pequenez de pessoa desprezível.  

Então vamos lá, que Deus me ajude... Sara, por um destes momentos atrozes de bebida, intimidade e insensatez, eu e o Olívio nos envolvemos em uma única noite em 1951! Pronto, falei, como dizem os jovens de hoje,  ou seja, escrevi. Foi um acidente, isto eu juro e tanto o Olivio como eu, nos arrependemos demais.
Foi quando eu engravidei da Maria Cecília. Tenho certeza absoluta disto, porque  anos mais tarde contei ao Pedro  e fizemos o teste de DNA. Nunca contei ao Olívio. Acho que seria injusto com todos. Guardamos este segredo, eu e o Pedro e foi um período muito difícil.

Não quero dizer os detalhes. Você estava fora em um Retiro Religioso e o Pedro viajando a negócios. O Paulo Roberto teve febre e como o Olívio estava sozinho e morávamos perto, ele me chamou. Depois que cuidei do seu Paulo Afonso, fomos para a sala ouvir uma música como sempre fazíamos nós quatro e o Olívio abriu um vinho. Foi como sempre, como quando estávamos os quatro, conversando e rindo. Mas em dado momento, estávamos  a sós eu e ele, a sala à meia luz e não sei o aconteceu. 
Dispenso os detalhes. Só sei que depois disso, ficamos algum tempo afastados e eu não conseguia mais te olhar nos olhos. Sentia-me a pior pessoa do planeta.

Fora o arrependimento por todos e tudo. Sempre fui muito feliz com o Pedro e não sei o que aconteceu. Mas em seguida fiquei grávida e já não podia suportar ficar perto de vocês, foi quando mudamos para Curitiba.

Eu acredito em vida após a morte, em premonições, em tudo. E quando você disse que o Olívio estava aparecendo, achei que seria algo banal, mas quando soube da doença do Pedro, eu imaginei que ele queria que eu me abrisse com você. Afinal o Pedro é neto dele.

Sara, depois de tudo que escrevi aqui, não tenho mais forças para nada. Nem para te pedir perdão, nem para respirar este ar que ainda existe no mundo.
Termino aqui e contarei os dias e horas até receber uma carta sua, mesmo que seja para dizer a mim que velha caquética “ furo olho” que eu sou.

Um beijo,
Clara


P.S. Acredito que a juventude nos prega peças imperdoáveis  e esta foi uma delas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário