domingo, 4 de setembro de 2016

QUERIDA SARA, (19a. Carta)



Que alegria receber a sua carta! Apesar das dores e preocupações pelas quais estou passando, meu coração se abriu de felicidade.

 Sei que está muito magoada comigo e ainda precisa de tempo, mas o fato de ter me escrito, já mostra o coração incomparável que sempre teve.
Sei que sua magoa não ficaria acima dos problemas pelos quais eu estou passando com o Pedro, e que você é esta mulher especial que sempre foi.

Sara, fugi um pouco do quarto e estou aqui no pátio te escrevendo.
Ninguém quer que eu fique lá, Maria Elisa, a Paula e a Nanda que também chegaram. Dizem para eu ficar em casa com a Flora, rezar e confiar. Que o ambiente do hospital é ruim para mim. “Olha o seu coração!” Dizem as meninas.
Eu já não tenho coração, Sara! Meu coração está com o Pedro naquele quarto. Eu não posso sair do lado dele ou de fora do quarto dele. Fico até não poder agüentar mais, porque acho que se sair, o Pedro pode partir...

Todos se preocupam comigo. Flora não sai do meu lado. Mas ela tem a grande qualidade de ficar calada e sei que reza.
Agora é só rezar que podemos fazer. Rezar para que o Pedro melhore, para que fique forte, rezar para que no dia do procedimento, o transplante seja bem sucedido e que para as fases seguintes o organismo dele continue a evoluir. Respiro fundo e olho através do jardim. Vejo rosas brancas, margaridas e meu coração se acalma. Choro. Aqui fora eu posso chorar.

Deus não pode deixar o meu neto querido partir, Sara! O Pedro é o único que se importa comigo. Mesmo quando esteve fora, ele esteve comigo, você entende né?
Eu e ele somos um só. E Deus não vai fazer isto comigo e nem com ele.

Você sabe que a Lisa está aqui né? Vejo nos olhos dela muita preocupação, mas muita força e carinho. Sei que o Pedro a ama. Sempre soube. Só não sei por que eles nunca se acertaram.

Lisa é uma alma única. Ela é especial. Fica horas segurando as mãos dele e conversa, mesmo quando ele não tem forças para responder. Ela relembra as aventuras deles da juventude, da faculdade e conta as histórias das viagens que fez. Ela ri, muitas fezes ri sozinha, mas vejo que ele nestes momentos aperta com força as mãos delas. E vejo lágrimas tímidas nos olhos de Lisa.

Nestes momentos eu saio do quarto Sara. Vou caminhando feito uma louca pelos corredores com Flora no meu encalço. Lá fora consigo respirar um pouco. Quando olho para o lado, eu vejo novamente Flora com os olhos grandes me observando. Seguramos nossas mãos e caminhamos para a capela que tem aqui, ou para o jardim, porque um jardim é o templo de Deus também.

Sara, obrigada por existir e me escrever. Quando tudo passar e vai passar, mesmo que você não queira, eu vou até ai para conversarmos. Não tenho palavras para agradecer a sua amizade, a amizade do Kiko e a grandeza da sua alma.
A minha alma é pequena, eu sei. Mas parodiando aquele escritor, acredito que tudo vale à pena.
Já diviso a minha sombra Flora lá no fundo do jardim. Vou ficando por aqui.

Obrigada, um beijo e um abraço apertado de horas melhores,


Clara.

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